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Se alguém ainda tinha dúvida do tamanho da ambição do Google, basta olhar para o seu mais novo campus, ocupando 17 hectares em Mountain View, na California. Com linhas sinuosas e placas solares que lembram “escamas de dragão”, o primeiro complexo construído do zero pela empresa foi concebido com um objetivo nada modesto: durar para sempre.
“Foi algo bem difícil de imaginar, porque a gente nem fazia ideia de como seria a vida ou o trabalho no futuro – e isso foi antes mesmo da pandemia de covid-19”, relembra a arquiteta Michelle Kaufmann, diretora de pesquisa e desenvolvimento imobiliário do Google, que me conduziu por um tour pelo Bay View Campus. (Tilt foi o único veículo de imprensa brasileiro até agora a conhecer o local).
O projeto começou em 2015 com o Google “dando um Google”: quais prédios ao longo da história foram funcionais por vários séculos? “Especialmente aqueles que passaram por diferentes usos: estações de trem que viraram casas, que viraram escritórios, etc”, explica Michelle.
Michelle e seus colaboradores encontraram quatro traços em comum: pé direito duplo; entrada de luz natural em todos os ambientes; estrutura exposta e longo espaço entre colunas de sustentação.
A outra pesquisa necessária já havia sido feita pela empresa – internamente.
“Nós conseguimos aproveitar dados dos últimos 15 anos para descobrir como os funcionários do Google realizam seu melhor trabalho”, conta Michelle. “E o que sabemos agora é que a principal métrica de sucesso, tanto individual quanto de produtos, é o acesso de cada pessoa ao seu time imediato, entre 4 a 12 pessoas”.
Ao mesmo tempo, eles não podiam perder contato com suas equipes mais amplas, de até 100 pessoas. “A gente descobriu que, se as pessoas estão em diferentes andares, é quase a mesma coisa de estarem em diferentes cidades. Não acontecem aquelas colisões casuais que geram criatividade”, continua a arquiteta.
Aproximar alguns poucos sem desconectar muitos: uma missão não tão fácil em um complexo pensado para mais de 6.500 funcionários.
‘Te encontro no Mercado das Mariposas’
A solução foi criar apenas dois andares. No térreo ficam as áreas comuns, como cafés, salas de reunião e academia. Na parte de cima, as mesas de trabalho individual.
“O térreo foi pensado para ser mais vibrante, onde a gente se encontra, pode falar tão alto quanto quer e colaborar com mais pessoas. O andar superior é mais quieto, para um trabalho mais focado, onde você colabora mais com alguém que senta perto”, resume a arquiteta.
A transição entre os dois pisos ocorre em mais de 20 pátios internos, cada um decorado por um artista plástico selecionado pelo Google. Há a “Praça da Bicicleta” (onde você pode fazer reuniões pedalando sem sair do lugar – e usando o movimento para carregar seu celular), o “Distrito do Dinossauro” ou o “Mercado das Mariposas”.
Aliás, referências à natureza são frequentes – e deliberadas. A decoração se baseia em uma nova tendência do design chamada “biofilia”, que prega que elementos orgânicos estimulam a cognição. Em alguns locais, o Bay View Campus parece um carro alegórico de carnaval, misturando muitas plantas, tecidos, padronagens, cores.
O fim do ‘corner office’
Por outro lado, a biofilia fez o Google se preocupar com o ritmo circadiano (nosso relógio biológico que regula períodos de sono e produtividade) dos funcionários. Janelas gigantescas, na curvatura horizontal dos telhados, levam luz natural e o belo horizonte de Mountain View a todos os pontos. Persianas digitais regulam a entrada de luminosidade.
“A qualquer horário do dia, toda mesa de trabalho no andar superior tem pelo menos duas vistas desobstruída para o lado de fora, sem reflexo do sol”, comemora Michelle. “A gente acabou com a ideia do ‘escritório do canto’ [salas em prédios tradicionais que geralmente são reservadas para executivos do alto escalão, por causa da vista]. Todo mundo ganhou um ‘escritório do canto’.”
Até porque seria difícil criar um “escritório de canto”: para resolver o dilema da conexão entre times “íntimos” de até 12 e grandes times de 100, o Google dividiu o andar superior em “vizinhanças”. Cada vizinhança abriga um time “íntimo”, mas a sacada é que suas paredes, mesas e espaços podem ser totalmente reconfigurados em dois dias (preferencialmente, um fim de semana).
De novo, a ideia é ampliar a durabilidade do prédio indefinidamente. “Talvez a equipe esteja no início de um produto, e eles precisam de um espaço mais focado no sprint, na criatividade. Mais tarde, o produto está em fase de manutenção, e aí eles precisam de mais espaços isolados para um trabalho focado”, exemplifica a arquiteta.
Pode ser mais eficiente, mas não é tão bonito. Não pude circular tão livremente no segundo andar, mas, pelo menos de fora e de longe, achei as vizinhanças parecidas com um amontoado de barracos e puxadinhos. (A biofilia prega uma abundância de madeiras expostas.)
O segredo dos telhados
Externamente, porém, os prédios do Bay View Campus são uma maravilha arquitetônica. Os telhados em longas linhas curvas, que remetem a templos asiáticos conhecidos como pagodes, não negam as origens profissionais de Michelle. Ela começou a carreira com Frank Gehry, o lendário criador de prédios sinuosos como o Museu Guggenhein em Bilbao, na Espanha, e o Walt Disney Concert Hall, em Los Angeles.
As curvas são mais do que uma escolha estética. Para manter o máximo de espaço entre as colunas de sustentação (uma das regras dos “prédios eternos”), foi adotado um tipo de estrutura chamado catenária, onde a viga que as conecta é curva. É um formato muito usado em pontes (como a Golden Gate, logo ao lado, em São Francisco) e que economiza aço.
“A ideia era: se a gente pensar num sistema que usa menos aço, então com o tempo, ele vai custar menos em manutenção e causar uma pegada de carbono menor”, sumariza Michelle.
O formato dos telhados também favorece outras duas metas de sustentabilidade. Toda água utilizada no Bay View Campus é captada das chuvas, reciclada e reaproveitada (há um sistema de tratamento no complexo). A única água que eles demandam da rede pública municipal é a usada para beber.
E as aparentes “telhas”, ou “escamas de dragão”, na verdade são paineis solares. Aliás, não parecer um painel solar era um ponto importante para o Google: a empresa dispensou vários modelos que eram “lindos, mas não tão eficientes e outros que eram eficientes, mas não tão bonitos”, Michelle, conta, entre risadas.
O jeito foi o próprio Google viabilizar o projeto de uma startup, que nem estava no mercado ainda. Hoje, os painéis suprem 40% de toda a energia necessária. “Considerando que somos uma empresa de tecnologia, isso é bastante coisa”, afirma a arquiteta. Outra parcela da energia é garantida por turbinas eólicas, num local próximo.
Curiosamente, a “empresa de tecnologia” foi bem específica na hora de selecionar quais dos seus 156 mil funcionários no munfo seriam alocados no novo campus: as equipes de engenharia… e as de publicidade. No final, o “escritório do canto” até pode ter acabado, mas quem paga a conta ainda fica com a melhor vista.
*O jornalista viajou a convite do Google
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