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Como grupo de ‘justiceiros’ do Twitter viralizou com o caso ‘marmitagate’ – 29/09/2022

Como grupo de 'justiceiros' do Twitter viralizou com o caso 'marmitagate' - 29/09/2022

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Um dossiê com supostas provas de um golpe na distribuição de marmitas pelo projeto social Alimentando Necessitados, de Blumenau (SC), a 152,8 km de distância de Florianópolis, tem viralizado na internet. Os achados dos “justiceiros” online foram agrupados e publicados no Github, plataforma que permite que usuários cadastrados contribuam em projetos privados ou open source (de forma aberta), além de estarem disponíveis em várias threads do Twitter.

As provas foram geradas a partir de técnicas utilizadas para desmascarar fake news, como a busca reserva de fotos e raspagem de tuítes na internet, afirmaram três pessoas ouvidas por Tilt — que pedem anonimato. A Polícia Civil de Santa Catarina informou que o caso está sendo investigado pela 1ª Delegacia de Polícia de Blumenau.

Em nota, a corporação disse que a repartição “está realizando a devida apuração a respeito e diligências para elucidar a situação estão sendo efetuadas”. Em uma live nesta semana, Eduarda Poleza, que se apresenta como uma das coordenadoras do projeto de doação de comida, nega as acusações. Ela chegou a mostrar uma suposta prestação de contas.

O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) informou, em comunicado à imprensa, que recebeu duas representações com suspeitas sobre as doações. Segundo o órgão, as informações e documentos já foram encaminhados à Policia Civil para inclusão no inquérito que apura o suposto golpe.

#marmitagate

O exposed (como é chamada a prática de expor relatos de crimes ou maus comportamentos nas redes sociais) para os internautas ganhou o apelido de Marmita Gate ou Operação Lava Prato. Os nomes fazem referência ao caso norte-americano Watergate, que resultou na renúncia do presidente Richard Nixon em 1974, e à operação Lava Jato. Nas duas situações foram investigados esquemas de corrupção.

Só o perfil do Twitter do projeto Alimentando Necessidades soma mais de 16 mil seguidores. Confira a seguir uma espécie de cronologia das suspeitas e as etapas e técnicas realizadas pelos internautas nessa investigação extraoficial.

1 – Varredura de tuítes

O repositório do “marmitagate” no Github, como é chamado o local onde são reunidas as informações, é de autoria de um grupo que afirma ser de pesquisa autônomo com foco em engenharia social (resumidamente, técnica de persuasão), chamado OP – OSINT Project.

Segundo o dossiê criado por eles (com prints de telas e textos explicativos), as suspeitas começaram a partir de um tuíte postado em 12 de setembro por um perfil atribuído a Taynara Motta, que se apresenta como uma das coordenadoras do projeto Alimentando Necessidades.

Numa thread, a mulher descreve um suposto crime de estupro ocorrido em Blumenau. No final das publicações, a jovem divulga a iniciativa de doação de marmitas e coloca uma chave PIX para eventuais ajudas. No Twitter, depois de o “marmitagate” ganhar visibilidade, alguns usuários a acusaram de usar a história para impulsionar o projeto.

Segundo os participantes do Github, o perfil de Taynara, criado em outubro de 2010, possui poucas informações, o que gera desconfiança sobre a sua veracidade. A página, segundo o grupo, apenas fazia retuítes ou curtidas no perfil da então melhor amiga, Eduarda Poleza, ou do projeto em si.

A partir disso, foi feita uma varredura nos tuítes do perfil de Taynara utilizando o programa Twint Project, software que faz a coleta de dados do Twitter usando a linguagem de programação Python. A técnica é conhecida também como “raspagem de dados”.

Depois, os dados foram exportados para o banco de dados SQLite e passaram a ser analisados. Segundo um dos participantes ouvidos por Tilt, a verificação das informações foi feita de “maneira manual” e eles trabalharam apenas com dados públicos do Twitter.

“A gente analisa e processa informações públicas, de redes sociais e ferramentas de busca. As redes sociais, com um monte de fotos e vídeos, são lotadas de informações. Dá para tirar muita coisa disso”, conta outro envolvido no dossiê.

Após avaliar o que tinham achado, o grupo passou a acreditar o perfil de Taynara existia apenas para a divulgação do projeto social.

2 – Pesquisa no Instagram

Os integrantes decidiram então procurar algum perfil de Taynara na conta do projeto no Instagram, mas não encontraram.

“O perfil não segue nenhuma Taynara, Taynara Motta ou adjacentes. A única pessoa que aparece em vídeos e fotos do projeto é [Eduarda] Duda Poleza. Não existe nenhum vestígio de Taynara Motta, que se diz dona do projeto social”, descreveram no Github.

Grupo de pesquisa anônimo concluiu que perfil de coordenadora de projeto era falso

Imagem: Reprodução

O perfil de Eduarda foi outro analisado para ver se existia alguma ligação com a outra coordenadora do projeto social. “Também não existe nenhuma foto, menção ou seguida a nenhuma Taynara Motta no Instagram da sua melhor amiga, Duda Poleza”, destacou o grupo.

Apesar disso, a observação foi descrita com ressalva: “Muita coisa pode ter acontecido. A Taynara pode ter deletado o instagram, pode nunca ter feito um, enfim, inúmeras possibilidades (sic)”, completa o dossiê.

3 – “Alô, é você Taynara?”

A curiosidade dos internautas continuou. E decidiram ir atrás do número de telefone de Taynara em uma base de dados pública de Santa Catarina.

A mulher abriu uma empresa em fevereiro deste ano e, por conta disso, o cadastro na Receita Federal fica disponível para qualquer um. “[O telefone] tem junto com o CNPJ disponível de uma empresa de capital de 200 reais que ela abriu”, explica um dos entrevistados.

“Pesquisamos em uma base de dados do estado e a única pessoa com o nome parecido achada foi Tainara (com i e não y) Mota (com um t e não dois)”, informaram no repositório.

Eles chegaram a mandar mensagem pelo WhatsApp para essa mulher, que informou que não fazia parte do Alimentando Necessidades.

4 – Técnica hacker

Não satisfeito, o grupo decidiu usar uma técnica que muitos cibercriminosos usam para aplicar golpes de phishing, que tem o objetivo de roubar dados pessoais ou ser a ponte para a instalação de um malware.

Uma participante, que disse a Tilt ser profissional de cibersegurança, enviou um link visando identificar e rastrear o IP do dispositivo usado por Tainara (com i) sem que ela soubesse.

Ao clicar nele, foi possível descobrir que a mulher estava em Gaspar, a 35 km de Blumenau — não foi possível saber se ela usou um computador ou celular.

O grupo pesquisou então as redes sociais desse contato. Não havia nenhuma ligação pública com Eduarda ou com o projeto.

5 – Busca reversa de fotos

Taynara (com y) tinha um perfil com foto, dado público que também foi usado na investigação extraoficial, numa estratégia chamada busca reversa de imagens — muito comum no trabalho de agências de verificação de fake news.

Nela, utiliza-se buscadores como o Google Imagens, TinEye, Bing, Eye Images e Yandex para verificar a origem da imagem. Para a busca, é preciso fazer o upload da fotografia ou pesquisa pelo endereço da imagem.

Com isso, os integrantes do grupo acharam a foto em um perfil no Pinterest (que não está mais disponível), de uma jovem chamada Larissa. As suspeitas de que Taynara Motta é um perfil falso aumentaram entre os integrantes.

“Todos os tweets desde a sua criação são para divulgar os projetos do Alimentando Necessidades e Absorvendo Necessidades (um projeto anterior que ela tinha com sua amiga, Eduarda Polaza, para arrecadar dinheiro para absorventes e mulheres em situação de pobreza menstrual)”, destaca o dossiê.

6 – PIX de R$ 0,01

Os “justiceiros” decidiram também simular o envio de um PIX de R$ 0,01 para os dois projetos.

Por lá, observaram que os valores depositados para o Absorvendo Necessidades caíam na conta da mãe de Eduarda. O dinheiro arrecadado no Alimentando Necessidades era direcionado para Eduarda.

7 – Análise de fotos das marmitas

Fotos divulgadas como sendo das entregas das marmitas, que deveria ser o carro-chefe do Alimentando Necessitados, também foram analisadas.

O Exif, um formato que registra dados do momento da fotografia, apontou que todas as imagens foram feitas em 2021, quando supostamente teria iniciado o projeto.

“As únicas fotos e vídeos novos são da Eduarda Poleza fazendo as marmitas. Essas, juntos com a de uma venezuelana, são as únicas fotos existentes de entregas nas redes sociais desde 2021”, explica o dossiê.

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