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O povo Shipibo-Conibo, nativo do Peru, está usando o futuro para resgatar o passado. Munidos de smartphones e câmeras, eles começaram a gravar pequenos filmes para preservar sua herança cultural. Hoje, já possuem dois canais de TV e uma rádio online.
O projeto, porém, enfrenta dificuldades. “No ano passado tínhamos nove programas no ar, agora estamos com cinco”, desabafa Carlos Franco Rojas, 39, que fundou a Rádio e TV Shipibo Digital em 2018.
Transmitidos pelas redes sociais, seus programas apresentam músicas e costumes, fazem denúncias, prestam serviços e divulgam informações importantes para a comunidade. Eles tiveram papel fundamental no combate à pandemia de covid-19.
Agora, faltam recursos e voluntários para manter a iniciativa. Uma das baixas na programação foi um programa conduzido por mulheres sobre empreendedorismo e empoderamento feminino.
“Precisamos de câmeras”
A reportagem do Tilt visitou a sede da Shipibo Digital em Yarinacocha, distrito de Pucallpa, na região Ucayali, na Amazônia peruana. É um pequeno estúdio, com poucos equipamentos, onde todos colaboram como podem.
“Cada programa exige uma equipe de quatro a oito pessoas.”, afirma o coordenador do canal. “No ano passado chegamos a ter uma equipe de 56 jovens. Hoje contamos com 21 pessoas.”
A crise se agravou porque há poucos meses se encerraram os recursos de um edital da ONG indígena Cultural Survival, dos Estados Unidos, iniciado em 2021.
“Temos poucos equipamentos e às vezes eles funcionam mal”, diz a apresentadora Pilar Rodriguez, de apenas 18 anos. “Isso nos prejudica, atrapalha nossos programas. Precisamos de mais câmeras, microfones.”
Cinema X missionários
Rojas teve a ideia do projeto em 2016, quando assistiu a uma sessão de cinema organizada pelo Coshkox (Conselho Shipibo Conibo) em Calleria, também na região de Ucayali. Na programação, vários curtas-metragens feitos por jovens indígenas.
“Montaram uma tela enorme para exibirem os filmes na comunidade e muitas pessoas estavam assistindo”, relembra.
Pouco depois, quando foi chamado para reavivar uma festa tradicional ligada ao chá da ayahuasca, ele percebeu que poderia usar a produção online para preservar a identidade culturaldos Shipibo-Conibo.
A cerimônia não era realizada há mais de 50 anos, por pressão de missionários religiosos que atuam na região desde o início do século passado. “Eles nos diziam que beber ayahuasca e nos curar com plantas da nossa medicina eram coisas diabólicas”, conta.
E continua: “Os missionários construíram escolas, mas tínhamos que aprender a ler com a Bíblia.”
Mesmo criança, Rojas foi capaz de perceber as mudanças. Ver algum xamã nas ruas ficou cada vez mais difícil. Por outro lado, três igrejas viraram pontos centrais na comunidade.
Em 2017, Rojas passou quatro meses filmando os preparativos para a volta da ayahuasca. A Ani Xeati (“grande festa”) finalmente voltou a acontecer, com músicas, danças e roupas típicas. Seu registro virou o documentário “Ani Xeati – O Reencontro com Minha Identidade”, disponível no YouTube.
Sessões de ayahuasca por WhatsApp
No ano seguinte, com apoio do conselho shipibo e algumas doações, ele ajudou a criar a Shipibo Digital. “Começamos com cinco programas transmitidos ao vivo pelo Facebook”, relembra.
O projeto atraiu jovens voluntários – entre eles, Rodriguez, que entrou em 2019. “Cheguei sem saber nada, mas fiquei encantada porque falavam da cultura dos nossos ancestrais”, conta.
“Estamos fazendo TV na nossa língua original”, comemora. Segundo ela, o idioma tem aproximado indígenas que vivem em outras regiões, unindo povos e possibilitando a interação entre eles.
Rodriguez ressalta também que, graças à formação profissional recebem, alguns colegas tem conseguido emprego formal na área. “Eles são criativos, querem aprender, mas estão carentes de oportunidades”, avalia. “Muitas vezes, falta dinheiro para transporte, para a aalimentação”.
Rodriguez levou essa conexão entre tradição e tecnologia para outros trabalhos também. Em paralelo à TV, ela se desenvolveu como xamã e agora dirige cerimônias da ayahuasca em um centro na cidade de Cusco, antiga capital do império Inca. Quando não pode ir, coordena tudo pelo WhatsApp.
“Faço as sessões por chamada de vídeo. As pessoas bebem lá, eu bebo aqui, nos conectamos, e vou cantando os icaros [canções cerimoniais] até que a mareação [os efeitos da ayahuasca] baixe.”
*Essa reportagem teve o apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund do Pulitzer Center e do Fundo para investigações e novas narrativas sobre drogas da Fundação Gabo e Open Society Foundations.
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